A
dor talvez seja a principal determinante
do sofrimento humano.E é esse o principal
objetivo deste site, que aborda uma das formas mais
freqüentes de dor, que é a enxaqueca.
Além de produzir sofrimento e incapacidade,
é seguramente a causa mais comum
de afastamento do trabalho, gerando um enorme
ônus para a sociedade. Por essas razões
deve ser considerada um sério problema
de saúde pública.
A cefaléia é um fenômeno
conhecido desde os primórdios da
história da humanidade; descrições
relativas ao quadro das cefaléias
são feitas há mais de 3.000
anos a.C., segundo escritos sumerianos da
época.
Convém
enfatizar que achados arqueológicos
de civilizações neolíticas,
com data aproximada de 7.000 anos
a.C., já sugeriam que os povos
da época tinham intensas crises
de dores de cabeça, interpretadas
como a presença de maus espíritos
dentro do crânio. O tratamento
empregado era a trepanação,
e consistia na |
|
abertura de orifícios
no crânio, para a saída
dos maus espíritos que causavam
a dor de cabeça. |
Um
documento datado de 1200 a.C., o papiro
Ebers prescrevia tratamentos para dor de
cabeça e mencionava a dor com características
sugestivas de enxaqueca e neuralgias. Neste
papiro, os antigos egípcios, há
1.550 anos a.C., gravaram uma cena de tratamento
de cefaléia, descrita da seguinte
forma:
|
“O
médico deve amarrar à
cabeça do paciente um crocodilo
feito de barro, com olhos de louça
e trigo na boca, usando uma faixa
de puro linho sobre a qual devem estar
escritos os nomes dos Deuses”.
Os relatos sugeriam a melhora desses
pacientes, provavelmente devido a
compressão das artérias
dilatadas do couro cabeludo. |
Em
400 a.C., Hippocrates descreveu a visualização
de raios luminosos precedendo a dor da enxaqueca.
Ele também mencionou a possibilidade
desta dor ter sido iniciada por exercícios
e relações sexuais e acreditou
que eram decorrentes da ascensão
de "vapores" do estômago
para a cabeça, uma vez que eram aliviadas
por vômitos.
Celsius,
que viveu entre 215 e 300 d.C., observou
que vinho, frio, calor e exposição
ao sol poderiam provocar crises de dor de
cabeça com características
de enxaqueca, mas as primeiras
descrições clássicas
de enxaqueca foram feitas por volta do século
2 d.C. por Aretaeus da Capadócia,
que se refere a uma forma de dor, unilateral
ao crânio, e que ocorria a intervalos
mais ou menos regulares; essa forma de dor
foi descrita em livro- texto sobre a prática
da Medicina.
Origem da palavra enxaqueca
Foi
Galeno de Pergamon (200 d.C. ) que denominou
essa dor de Hemikrania, porque era uma cefaléia
que acometia somente a metade do crânio.
Como a influência árabe predominou
na Península Ibérica, o vocábulo
hemicrania foi traduzido por Ax- xaqiqâ;
a partir de então a língua
espanhola incorporou o termo como jaqueca,
sendo a seguir adotado pela língua
portuguesa como enxaqueca.
O vocábulo hemicrania originou Migraine
na língua inglesa e francesa, transformando-se
na palavra mais empregada no mundo científico.
Em vista do exposto para acompanhar a nomenclatura
internacional a Sociedade Brasileira de
Cefaléia resolveu adotar a palavra
Migrânea para designar a afecção.
Várias
personalidades ilustres da história
sofriam de enxaqueca.O Imperador Júlio
César, Thomas Jefferson, Lewis
Carrol, Sigmund Freud, Napoleão
Bonaparte, Rainha Catarina de Médicis,Friedrich
W. Nietzsche, Miguel de Cervantes,Frederick
Chopin, Charles Darwin, Madame de
Pompadour,Leon Tolstoy, entre outros,
viveram as suas vidas acompanhados
de crises marcantes de enxaqueca.
Entre nós, João Cabral
de Mello Neto,o maior poeta brasileiro
do século passado,transformou |
|
em poesia os efeitos da
Aspirina, seu santo remédio
para combater as diárias dores
de cabeça com características
sugestivas de enxaqueca que o atormetaram
por meio século de sua existência. |
Descrição
de Enxaqueca
“A
enxaqueca é originada por um distúrbio
bioquímico cerebral herdado, é
uma cefaléia crônica primária
que ocorre por paroxismos, ou seja, tem
um começo e um fim bem delimitados.
Duas horas, no máximo até
três dias, e pode ser acompanhado
por náuseas, vômitos, fotofobia,
fonofobia e osmofobia. É uma dor
latejante, em peso ou em pressão,
que se localiza na maior parte dos casos
na região temporal, mas pode ocupar
qualquer outra localização
no crânio ou mesmo ser bilateral.
Pode ser fraca, média, forte ou muito
forte”.
Neste site você encontrará
o que existe de mais recente no diagnóstico
e tratamento desse
quadro que acomete milhões de pessoas
em todo mundo. E que também pode
ser melhor definido assim: “É
uma reação neurovascular anormal
que ocorre num organismo geneticamente vulnerável
e que se exterioriza, clinicamente, por
episódios recorrentes de cefaléia
e manifestações associadas
que geralmente dependem de fatores desencadeantes”.
Histórico
Vale
lembrar que durante séculos as causas
mais diversas foram atribuídas às
dores de cabeça, dentre as mais bizarras
destacamos os maus espíritos.
O estudo científico da dor era obscuro
e atribuía-se a dor a mecanismos
psicológicos e as formas de tratamento
eram as mais estapafúrdias.
Somente em 1938, quando John R. Graham publicou
em parceria com seu mestre Harold G. Wolf
o artigo clássico que comprovava
a ação do Tartarato de Ergotamina
na contração dos vasos sangüíneos
dilatados durante a crise de enxaqueca,
que definitivamente inicia-se a investigação
moderna sobre essa afecção.
Em 1943 foi sintetizada por Stoll e Hofman
a Diidroergotamina (DHE), menos tóxica
do que o Tartarato de Ergotamina. E, em
1945, a DHE é indicada para o tratamento
das crises de enxaqueca por Horton, Peters
e Blumenthal (Mayo Clinic), sendo hoje utilizada
em muitos países.
Em 1959, Sicuteri publicou artigo científico
comprovando a eficácia da droga Metisergida
no tratamento da enxaqueca.
Nos idos de 1984, Michael Moskowitz, propõe
um modelo para explicar os mecanismos fisiopatológicos
da enxaqueca, ao qual denomina “Teoria
Trigêmino Vascular”. Trata-se
de uma teoria notável e ainda alvo
de inúmeras pesquisas.
No fim da década de 80, o pesquisador
Patrick Humphrey e colaboradores, já
cientes do envolvimento de um receptor serotoninérgico
no desencadeamento do quadro da enxaqueca,
sintetizaram o Sumatriptano, específico
para o tratamento das crises de enxaqueca
e ainda hoje largamente utilizado em todo
mundo.
Atualmente, essa classe de drogas chamada
Triptanos, e com novas e mais eficazes substâncias
(como Naratriptano, Zolmitriptano, Rizatriptano,
Frovatriptano, Almotriptano e Eletriptano)
tem propiciado a melhora acentuada dos pacientes
vítimas de enxaqueca, com pronto
restabelecimento e retorno às sua
atividades normais num curto espaço
de tempo, significando um grande avanço
no campo da Cefaliatria,buscando uma melhor
compreensão no que realmente ocorre
no cérebro de uma pessoa com enxaqueca.
Historicamente outros acontecimentos marcaram
época, principalmente nos idos de1959,
quando foi criada a Associação
Americana para o Estudo da Cefaléia
(American for the Study of Headache).
Em 19 de maio de1978 foi fundada a Sociedade
Brasileira de Cefaléia, que além
de organizar congressos, promove simpósios,
jornadas e cursos em todo o Brasil, procurando
disseminar os conhecimentos mais atuais
no diagnóstico e tratamento dos diferentes
tipod de cefaléia.
O grande impulso dado ao estudo da cefaléia
ocorreu em 1981, quando foi fundada a Sociedade
Internacional de Cefaléia (International
Headache Society), que teve seu primeiro
congresso em 1983, em Munique. Desde então,
a cada dois anos realiza congresso em diferentes
partes do mundo, difundindo o estudo dessa
especialidade tão complexa e ao mesmo
tempo tão importante, que restitui
aos pacientes cefaléicos a qualidade
de vida perdida em razão do sofrimento.
Já foram descritos cerca de 150 tipos
diferentes de cefaléia, cada um com
seu quadro peculiar e seu tratamento diferenciado.
A Sociedade Internacional de Cefaléia,
em 1988, publicou a Classificação
e Critérios Diagnósticos das
Cefaléias, Nevralgias Cranianas e
Dor Facial, a partir da qual o estudo desse
assunto torna-se cada vez mais aperfeiçoado,
palpitante e atual.
Na
década de 1960, surgiram os primeiros
médicos que receberam os ensinamentos
e a formação altruísta
dada por John R. Graham, e que até
os dias atuais são referências
mundiais no campo de estudo da Cefaléia.
Entre eles, destacam-se o norueguês
Ottar Sjaastad e o brasileiro Edgard Raffaelli
Jr.
Se não fosse a determinação
e o pioneirismo dos grandes mestres, o avanço
verificado nas últimas décadas,
que tanta melhora trouxe aos sofredores
de enxaqueca, não teria ocorrido
e provavelmente estaríamos ainda
engatinhando no estudo desta afecção.
Essa introdução é um
breve resumo da história da cefaléia
e não tem a pretensão de ser
a transcrição da história
completa dessa afecção. O
intuito é principiar colegas, não
familiarizados com o tema, no campo de estudo
da Cefaliatria.
Fonte
Livro: “Cefaléias Primárias:
Aspectos Clínicos e Terapêuticos”.Fernando
Ortiz;Edgard Raffaelli Jr e col. ( 2ª
Edição). São Paulo:
Editora Zeppelini, 2002.
|